Um presídio em que os próprios confinados são responsáveis pelas chaves das celas e em que detentos dizem cancelar os planos de fuga.
Isso acontece do Centro de Reintegração Social Dr. Franz de Castro Holzwarth, localizado na cidade de Santa Luzia, (Região Metropolitana de Belo Horizonte). O local é uma das unidades prisionais do Estado de Minas Gerais que se baseiam no modelo das Apacs (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado), programa que preceitua o resgate da auto-estima do condenado e que conta, atualmente, com 81 unidades no Estado(23 em funcionamento e 58 em estágio de implantação no estado).
A reportagem do UOL teve acesso à instalação que fica no centro da cidade de Santa Luzia, onde estão confinados 124 detentos que cumprem penas variadas em regimes fechado e semi-aberto, em área construída (com recursos dos governos federal e estadual) de 15 mil metros quadrados, em terreno de 40 mil metros, doado pela prefeitura. O presídio foi inaugurado em agosto de 2006.
Além da inexistência de agentes penitenciários, uma vez que os próprios presos fazem a segurança do local, também fica evidente a ausência de superlotação, um problema recorrente no sistema prisional tradicional.
O guia da reportagem, Ailton Oliveira Silva, 35 anos, cumpre, em regime semi-aberto, pena de 19 anos por assalto à mão armada. Oriundo do sistema prisional tradicional, Silva está há um ano no local, após passar seis anos em penitenciárias no Estado.
Ele é responsável pela disciplina da área onde estão 43 "recuperandos", denominação dada aos sentenciados submetidos ao método Apac, que também cumprem pena em regime semi-aberto. Há, no área, vagas para 80 detentos.
Na parte destinada aos que cumprem pena em regime fechado, estão alojados 81 detentos, em local construído para abrigar 120.
Aqui não tem essa história de o Sol nascer quadrado, aqui ele é redondo", sintetiza Silva, que levou quatro tiros no assalto que o levou à prisão. "Aqui, o ser humano é valorizado, jamais eu poderia estaria conversando com um visitante, como estou fazendo com você, sem estar algemado e com a cabeça baixa, sem poder olhar nos seus olhos."
Silva conta que ficou surpreso quando, ao ser levado para a prisão, foi chamado pelo nome. Ele já se acostumara a de ser reconhecido apenas pela matrícula prisional que todos os sentenciados possuem. "Na minha chegada, eu vi uma mão estendida, eu vi que eu tinha um nome, que eu era um cidadão." Silva espara sair neste ano da prisão, em liberdade condicional.
O companheiro de Silva, Gleidson Soares Faustino, 32 anos, também condenado por assalto a mão armada (13 anos e 8 meses) e advindo de outra penitenciária, pensava em sair de outra forma.
Disse que, ao chegar à unidade prisional, imaginou logo que poderia fugir rapidamente, dada a fragilidade do sistema de vigilância do local.
"Eu vim com o intuito mesmo de fugir, mas o que me levou a não fugir logo de cara foi o tratamento que eu recebi, tanto da diretoria quanto dos funcionários da Apac. Eu me achava um caso perdido - assaltante mesmo e pronto -, mas, com o passar do tempo, eu vim a entender que eu tinha como ser recuperado", conta Faustino.
A diretora do Centro de Reintegração de Santa Luzia, Mary Lúcia da Anunciação, disse acreditar que o conjunto de ações empregadas no método Apac leva a um retorno satisfatório na recuperação do preso.
"Ele é um misto de valorização humana e evangelização, que quer proporcionar àquelas pessoas que aqui estão condições de transformação e mudança de vida", explicou.
Para Anunciação, os resultados alcançados vêm na esteira do cumprimento efetivo de todos os itens que compõem a sentença imputada ao preso.
"A Apac não trabalha apenas com a perspectiva punitiva, porque a própria finalidade da pena não tem só o caráter punitivo. Ela tem também a perspectiva da ressocialização do preso. Todas as nossas ações são em consonância com o que determina a Lei de Execuções Penais", disse.
Segundo ela, o modelo está atraindo a atenção de autoridades que cuidam de sistemas prisionais de outros Estados e mesmo de outros países, interessados em conhecer o trabalho desenvolvido.
Modelo não é redentor, para Anistia Internacional
O trabalho desenvolvido pelos centros de reintegração sociais é apontado pela Anistia Internacional (movimento mundial de defesa dos direitos humanos) como uma alternativa propositiva para mitigar a penúria do sistema carcerário brasileiro. Porém, o modelo não é encarado pela organização como a redenção das prisões brasileiras.
O representante no Brasil da Anistia Internacional, no entanto, garantiu que o projeto merece ser estudado.
"As Apacs, para nós, seriam uma opção entre várias. Eu não vou dizer que é uma solução porque eu não posso dizer se todas as Apacs funcionam bem. Quando a gente fez um relatório da Anistia sobre presídios (no Brasil), a gente recomendou a Apac como uma potencial solução que tem que ser estudada", revela o inglês Tim Cahill, pesquisador da Anistia Internacional responsável pelo Brasil.
Para ele, o modelo deveria ser inserido num contexto maior, no qual as normas internacionais e nacionais de direitos humanos sejam respeitadas dentro dos presídios do país.
"Claramente ela é uma alternativa, porque a visão da Apac já é uma visão diferente, não é uma visão baseada em abusos e violações. Agora, não quer dizer que é a única forma de resolver o problema. Devemos assegurar e garantir que as normas internacionais e nacionais para garantir a proteção (aos presos) dentro do sistema carcerário sejam respeitadas", disse.
"O sistema carcerário é uma punição para uma pessoa que tenha cometido um crime, isso nós todos reconhecemos. Não é que ele tenha que ser, como algumas pessoas pensam, um sistema hoteleiro. Mas tem que ter normas regulares para garantir as mínimas condições de direitos humanos dentro desse sistema. A Apac é um sistema que respeita esse entendimento", concluiu
FONTE: UOL
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