Para os acusados, posso inferir de tudo que já apurado até aqui, pouco importava que estivesse o ofendido mal acomodado, afinal, se tratava, para eles, de um “João Ninguém”, de um “Pé rapado”, um “Zé Mané”, daqueles que se imagina que morto não fazem falta. Mas se enganaram! E como se enganaram! Pobre e preto, esqueceram, também têm sentimentos, afinal não é a cor da pele e a conta bancária que dimensionam a sensibilidade de uma pessoa.
A determinação era clara, muito clara: era pra bater, para espancar, para tirar sangue do ofendido, afinal, como podia proclamar sua inocência, se trazia estampada nas suas vestes, na sua cor, na sua origem, no seu hálito, no seu suor a condição de culpado? Proclamar inocência, como o fez o ofendido, ao ser preso ainda na Ponte do São Francisco, era um acinte, um escárnio aos homens da segurança, acostumados a julgamentos informais e sumaríssimos; afinal, esperar justiça pra quê, se detinham sob as mãos o poder de condenar e executar a pena?
Quando ainda tinha alguma lucidez o ofendido bradava, embora sem ser ouvido, que não era ladrão. E ainda que tivesse cometido algum crime, a sua consciência de cidadão lhe fazia crer que não é papel da Polícia espancar, torturar, supliciar, judiar. Todavia, os acusados, inclementes, impiedosos, malvados, bárbaros, ainda persistiam torturando, cessão de tortura que só cessou – tarde demais, é verdade – com a intervenção do Delegado Alberto Castelo Branco.
A tentativa do ofendido de sair do porta-malas da viatura Corsa foi entendido pelos acusados como um audácia, afinal, como pode um assaltante, já sumariamente condenado por eles, pretender receber tratamento só dispensado aos inocentes? E inocência, registre-se, na ótica deles. Sim, porque, ao que denoto do todo probatório, os acusados compunham umaCâmara Criminal informal de julgadores. Assim é que, nessa condição, julgaram logo o ofendido, condenaram e executaram.
Tenho a mais ardente (ardens), a mais inabalável convicção (conviction) que se não fosse o ofendido pessoa conhecida e bem relacionada, este seria mais um crime de tortura a que ficaria impune, em face da nossa reconhecida omissão.
A verdade que dimana (dimanare), que verte, que brota do conjunto de provas é só uma, qual seja, a de que os acusados José Expedito Ribeiro de Farias,Paulo Roberto Almeida e Sérgio Henrique Mendes torturaram o ofendidoJeremias Pereira da Silva, preso de forma arbitrária, à alegação de ter cometido um assalto, assalto que, viu-se depois, para espanto de todos, não tinha vítima. Mas, ainda assim, o ofendido foi preso e, o que mais grave e revoltante, castigado, daí poder-se afirmar que das seis condutas típicas previstas no artigo 1º ( caput e §§ 1º e 2º) a ação dos acusados se amolda ao tipo penal denominado tortura-pena, pois que submeteram o ofendido, que estava sob sua guarda, sob o seu poder, sob a sua autoridade, a “intenso sofrimento físico, como forma de castigo pessoal”.
É isso aí............
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