quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A aplicação da justa causa e o aviso prévio. Nem tudo são flores!


Originário desde as corporações de ofício, o aviso prévio surge no Brasil com o advento do Código Comercial de 1850, no seu art. 81, que assim rezava:

Art. 81 - Não se achando acordado o prazo do ajuste celebrado entre o preponente e os seus prepostos, qualquer dos contraentes poderá dá-lo por acabado, avisando o outro da sua resolução com 1 (um) mês de antecipação.

Mais tarde, o instituto foi tratado no Código Civil de 1916, em seu art. 1.221. Logo após, o Decreto 16.107 de 1923 dispôs sobre a locação de serviços domésticos e editou normas detalhadas sobre o aviso prévio.

Na legislação trabalhista, a regulamentação do aviso prévio teve início com a Lei nº 62 de 1935, que determinava o dever unilateral de o empregado pré-avisar. Polêmicas a parte, a CLT pôs fim nas discussões ao estipular o dever recíproco de concessão do aviso prévio, disciplinando-o em seus arts. 487 e 491, nos seguintes termos:

Art. 487 - Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:

I - oito dias, se o pagamento for efetuado por semana ou tempo inferior; (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)

II - trinta dias aos que perceberem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de 12 (doze) meses de serviço na empresa. (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)

§ 1º - A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.

§ 2º - A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.

§ 3º - Em se tratando de salário pago na base de tarefa, o cálculo, para os efeitos dos parágrafos anteriores, será feito de acordo com a média dos últimos 12 (doze) meses de serviço.

§ 4º - É devido o aviso prévio na despedida indireta. (Parágrafo incluído pela Lei nº 7.108, de 5.7.1983)

§ 5o O valor das horas extraordinárias habituais integra o aviso prévio indenizado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.218, de 11.4.2001)

§ 6o O reajustamento salarial coletivo, determinado no curso do aviso prévio, beneficia o empregado pré-avisado da despedida, mesmo que tenha recebido antecipadamente os salários correspondentes ao período do aviso, que integra seu tempo de serviço para todos os efeitos legais.

(...)

Art. 491 - O empregado que, durante o prazo do aviso prévio, cometer qualquer das faltas consideradas pela lei como justas para a rescisão, perde o direito ao restante do respectivo prazo. (grifo nosso)


Importante frisar que o aviso prévio é, nas palavras de Alice Monteiro de Barros, "instituo jurídico bilateral, podendo ser concedido tanto pelo empregado como pelo empregador, dependendo de quem toma a iniciativa da ruptura do contrato".

O aviso prévio pode ser trabalhado ou indenizado.

Fundamental ao nosso raciocínio e delimitarmos a finalidade do instituto ora em análise. Assim, a finalidade do aviso prévio é evitar a surpresa com a ruptura do contrato de trabalho. Assim como, o período nele representado propicia ao empregado a procura de um novo emprego para garantir sua subsistência e ao empregador a possibilidade de substituição do empregado que pretende a resilição do contrato.

Agora partiremos a um exemplo prático:

Manoel, empregado do empresa X, recebe em 1º de outubro de 2010 aviso prévio, que será concedido na modalidade trabalhada. Com isto, passa Manoel a ter redução da carga horária em duas horas diárias para que possa, se assim quiser, buscar um novo emprego. Manoel quis a busca do novo emprego. E consegui. No dia 15 de outubro de 2010, Manoel é contratado pela empresa Y. Em conseqüência, Manoel não mais se apresenta para trabalhar na empresa X. No dia 15 de novembro, Manoel dirige-se a empresa X e solicita que lhe seja pago as devidas verbas rescisórias. Neste momento, Manoel é surpreendido com a afirmação que lhe foi imputada justa causa, abandono de emprego, e todas as suas conseqüências legais.

Em recente discussão foi admitida que tal situação encontra respaldo na legislação vigente. Perdoe-me o Mestre, mas discordo completamente.

A fundamentação para a aplicação da justa causa por abandono de emprego está no art.491 da CLT, acima transcrito, mas que pela importância vale a reprodução:

Art. 491 - O empregado que, durante o prazo do aviso prévio, cometer qualquer das faltas consideradas pela lei como justas para a rescisão, perde o direito ao restante do respectivo prazo. (grifo nosso)


O citado artigo diz, claramente, que a justa causa produz, normalmente, seus efeitos mesmo que o empregado esteja em aviso prévio, pois este é considerado tempo de serviço, sempre.

Entretanto, aplicar os efeitos da justa causa ao empregado em aviso prévio por abandono de emprego é desnaturar completamente o instituto estudado.

A partir do momento que o empregador comunica ao empregado a sua "entrada" em aviso prévio, este pode procurar e novo emprego e encontrá-lo. Daí, aplicar qualquer penalidade ao empregado por ato permitido pelo empregador soa completamente desarrazoado. Não que o empregado deva receber todo o período do aviso prévio, mas apenas o período efetivamente trabalhado.

Em corroboração ao nosso entendimento cito as Súmulas 73 e 276 do TST, nos seguintes termos:

Súmula 73. A ocorrência de justa causa, salvo a de abandono de emprego, no decurso do prazo do aviso prévio dado pelo empregador, retira do empregado qualquer direito às verbas rescisórias de natureza indenizatória.

Súmula 276. O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.

Ou seja, a realização de novo contrato de trabalho por empregado em aviso prévio não justifica a aplicação de justa causa por abandono de emprego, sob pena de ferir de morte a própria natureza do instituo, ficando o empregador obrigado a pagar o valor efetivamente trabalhado.

Assim, encerro com as palavras cristalinas de Alice Monteiro de Barros ao tratar da justa causa no aviso prévio: "Abre-se uma exceção para a falta configuradora do abandono de emprego, que se praticada no curso do aviso prévio, retirará do trabalhador apenas o direito aos salários restantes. (...). A falta é relevada, pressupondo-se que a ausência prolongada do trabalhador é, provavelmente, conseqüência do fato de ter obtido novo emprego ou ocupação. Em sendo assim, o aviso prévio cumpriu a sua finalidade, inexistindo razão para que as demais verbas rescisórias sejam retiradas".



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