sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Prefeituras podem exigir ressarcimento no FPM

A política de incentivos fiscais implementada no Brasil por diversos estados da Federação, com ou sem adequação às normas do Confaz recebeu mais um alerta do STF dias atrás.

É sabido que no Brasil vigora aquilo que se convencionou chamar de “federalismo cooperativo”, onde um ente da Federação, que possui competência tributária estabelecida pela Constituição, o arrecada e compartilha com outros uma fração do montante arrecadado.

Esta partilha — no caso, tecnicamente chamada de “transferência obrigatória” — pode ser direta ou indireta. A direta ocorre quando, por exemplo, parcela do IPVA arrecadado por um estado é transferido ao município em que o veículo tenha sido licenciado. Quanto maior for o número de veículos licenciados em determinado município, maior o valor que ele receberá de transferência direta de IPVA, a despeito de ser este um tributo de competência dos estados.

Exemplo de repartição indireta acontece no caso do Fundo de Participação dos Municípios, onde parcela do Imposto sobre Renda e do IPI — tributos de competência da União — é por esta arrecadado e transferido para um fundo onde é rateado entre todos os municípios do país consoante critérios de justiça redistributiva.

Estas transferências não são facultativas, pois decorrem de norma expressa na Constituição e independem das relações políticas entre os governos das referidas unidades federativas.

Analisando essa matéria, o Supremo Tribunal Federal se manifestou nos autos do Recurso Extraordinário 572.762, em que litigaram o município de Timbó e o estado de Santa Catarina.

O estado havia criado uma política de incentivos fiscais em que era permitido desonerar até 100% do ICMS devido pelas empresas instaladas em seu território. Nos autos, alegou o município que teria direito a 25% do ICMS que o estado estava desonerando, pois aquele percentual lhe pertencia por força da Constituição, fruto do sistema de “federalismo cooperativo”.

O STF posicionou-se de forma clara, no sentido de que a parcela do imposto estadual referida no artigo 158, inciso IV, da CF/88, pertence de pleno direito aos municípios. Para alcançar tal conclusão, os ministros consideraram que:

[a] deve ser preservada a autonomia financeira do município, vedando qualquer condicionamento ao repasse constitucional, e assim efetivando a autonomia política;

[b] o valor a ser repassado sequer constitui receita do ente arrecadante;

[c] este não pode livremente dispor da arrecadação, sob pena de ofensa ao pacto federativo;

[d] o estado-membro, ao instituir benefício fiscal que reduz a arrecadação, atingindo a parcela de repasse aos municípios, faz “cortesia com o chapéu alheio”, na expressão do ministro Ricardo Lewandowski;

[e] os incentivos fiscais devem ser instituídos com exclusão da parcela de repartição tributária; e

[f] há um condomínio federativo no plano das receitas, para sustentar a autonomia tributário-financeira dos municípios, e assim suportar sua autonomia político-administrativa.

O STF, assim, fixou entendimento de que o direito ao repasse não está condicionado ao valor efetivamente arrecadado, mas lhe é preexistente. Logo, não pode o ente arrecadante dispor livremente do tributo, sob pena de afetar o valor a ser repassado, prejudicando a receita e assim a autonomia municipal (e o custeio de suas atividades básicas).

Deve haver a exclusão da parcela de repartição tributária quando da instituição do benefício. De forma que os municípios recebam, ao final, o mesmo montante que receberiam se este inexistisse.

Permitir que o ente arrecadante disponha livremente do total arrecadado, foi uma hipótese vedada por aquela decisão. Pode o ente arrecadante, no caso o estado-membro de Santa Catarina, dispor apenas da parte que lhe pertence (da sua receita pública que, como lembra o ministro Eros Grau, é apenas o valor que fica com o ente, excluída a percentagem de transferência obrigatória).

É de todos conhecido o adágio: decisão judicial não se discute, cumpre-se. Logo, da forma como o STF decidiu esta causa podem surgir importantes reflexos federativo-fiscais.

Consoante o art. 159, inciso I da CF/88, a União deverá entregar 48% da arrecadação do IPI e do IR para entes federativos e fundos constitucionais, restando-lhe apenas 52% do montante arrecadado. E não poderá fazer renúncia fiscal além desses 52%, que é a parte que lhe cabe da arrecadação, seja sob a forma de incentivo, isenção, política anticíclica ou outro nome que se lhe atribua.

Com isso, seria possível à União efetuar a drástica redução de alíquotas do IPI para certos produtos ou fixar alíquota zero do imposto?

Foram atingidos pelo benefício fiscal concedido pela União os setores de automóveis e de eletrodomésticos, com desonerações visando incentivar a economia que estava (permanece?) em crise.

Tais incentivos fiscais, que importam em redução da arrecadação de IPI e assim redução dos valores repassados pela União ao FPM e ao FPE, dispõem indevidamente de parcela que não pertence à União. Pertence, por disposição constitucional, aos estados e municípios.

Assim, pela decisão do STF, é proibida a instituição de benefícios que atinjam as finanças de outra pessoa jurídica de direito público. Trata-se, como tratado no Acórdão citado, de “fazer cortesia com o chapéu alheio”.

Os benefícios instituídos, então, põem em risco a autonomia política e financeira dos estados e municípios, diminuindo o valor das verbas destinadas ao custeio das suas atividades básicas, sendo contrários à Constituição.

Assim, pela interpretação da decisão do STF, estão os entes federativos menores — estados e municípios — legitimados a buscar o Poder Judiciário, exigindo o cumprimento da Constituição Federal, até mesmo para que a União deposite os valores não repassados em razão da desoneração unilateralmente instituída.

Desta forma, a despeito do êxito alcançado pela política econômica anticíclica aplicada pela União, com a redução do IPI, a sensível diminuição dos valores repassados para os estados e municípios, por meio de transferências obrigatórias diretas e indiretas, legitima estes entes federativos prejudicados a buscarem compensação perante o Poder Judiciário.

É certo que eventuais compensações podem estar sendo gestadas pela União, por meio de transferências voluntárias, mas isso não afasta a inconstitucionalidade presente no ato de renúncia fiscal praticado pela União, pois estas transferências são obrigatórias, ou seja, possuem outra natureza jurídica.

Em respeito à Federação, a coerência do julgamento do STF deve prevalecer.


Fonte: Conjur

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