Publicarei o texto do Capitão da Policia Militar do Acre Estene Barbosa Teixeira. Uma ótima leitura sob a violência urbana e a responsabilidade do Estado. Concordo com o Capitão. A política do bandido bom e bandido morto apenas reforça o ciclo de violência, justificando, cada vez mais, o uso de força desmedida pelo Estado a falsa impressão que a violência está sendo combatida. Boa Leitura
A ausência do respeito aos Direitos Humanos e o modelo perverso de se criminalizar a pobreza tem se perpetuado dentro da sociedade e da estrutura policial brasileira por diversas razões: a herança dos últimos vinte anos do modelo educacional, a falência da política de distribuição de renda, e o modelo policial de visão analógica em um mundo digital.
A tolerância de alguns segmentos da própria sociedade que apóia este tipo de prática policial ajuda a propagar a idéia equivocada de que “Direitos Humanos é para proteger bandido”, afinal de contas, quantas pessoas não acham que o “cidadão infrator” deve ser torturado, apanhar, quando roubou sua televisão, ou outros bens materiais, ou até morto pela polícia nos casos violentos?
Infelizmente é esse o verdadeiro sentimento de “Justiça”, na cabeça de muitos cidadãos brasileiros que perderam seus filhos vítimas da criminalidade, que assistem impotentes a burocracia institucionalizada de um processo levar quatorze anos para ser julgado.
O cidadão acredita por certo que esta atitude seja uma solução para “sublimar” seu sofrimento a dor da perda do ente querido e a emanação da ação efetiva do ideal de justiça buscado erroneamente pelo indivíduo.
Analisando o problema do ponto de vista sócio-cultural observamos que a violência policial tem raízes culturais muito antigas, desde o regime colonial em gênese até o presente momento e este paradigma têm uma relação diretamente proporcional à ineficiência do Estado que não qualificava os profissionais de segurança pública.
É difícil admitir, mas existe uma demanda dentro da própria sociedade em prol da prática da violência policial. É esta violência, que serve à sociedade dentro de diversos aspectos e circunstâncias, especialmente no tocante à solução dos crimes contra o patrimônio. Por este motivo, há uma dificuldade do Estado no âmbito da segurança pública, em mudar radicalmente esta visão equivocada da real missão do que é “Policia”.
Se falarmos na visão semiótica de Jean-Claude-Monet, pois a polícia continua sendo uma forma de “controle da violência legítima do Estado”, como bem nos ensina Michel Foucault, referindo-se ao meta-modelo “panóptico” em seu livro “Vigiar e Punir” referindo-se que conseqüentemente haveria uma evolução do uso legítimo da força por parte dos organismos policiais.
A questão da democracia é então, um ponto de extrema importância nesse debate. Isso porque a violência policial, inevitavelmente, gera as mais graves violações aos direitos humanos e à cidadania, que são elementos inerentes ao regime democrático, pois a vida gregária gera inevitavelmente deveres e obrigações.
Hoje, a mesma sociedade que pensa na violência policial como “algo aceitável” no exercício da função, para a resolução de alguns crimes, sofre também seus “efeitos colaterais”. Com o aumento das soluções violentas adotadas por alguns policiais do passado, os bandidos respondem com mais violência ainda. Basta ver o que ocorre, atualmente, no Rio de Janeiro e São Paulo com os sucessivos ataques à polícia e demais organismos de Segurança Pública do Estado.
A desvalorização da vida humana, implícita nessas idéias, contribuiu, sem dúvida, para esse espiral de violência, atingindo polícia e população. A indiferença da sociedade em relação à criminalidade acabou por tornar os bandidos indiferentes mesmo a sua própria vida.
A impunidade de policiais violentos e corruptos somaram-se aos mesmos fatores que fazem os infratores: a cultura do machismo, o “ethos” da guerra, a valorização da força física do indivíduo, a letalidade e alcance as armas de fogo, o domínio do dinheiro para o alcance de um status social. Toda essa violência volta como um forte eco para a sociedade, pois a família do policial assassinado: filhos, esposa, pais, irmãos estão inseridos na sociedade, a partir deste episódio esta família terá como bandeira, o jargão errôneo “bandido bom é bandido morto”.
Não pensemos que a violência policial é solitária. Desamparada, “ela é filha da sociedade” que inconscientemente a defende, apóia e incentiva, tornando o policial torturador ou espancador num “pseudocondenará no banco dos réus. Na mídia nacional, a exemplo disto, reproduz-se o estado a que chegamos. No Rio de Janeiro é de praxe as autoridades públicas confirmarem de forma “natural” que o morto “era um traficante” e não um “cidadão qualquer”, que comandava
o tráfico do morro “x” ou “y” como se o fato de ser “um cidadão infrator” isentasse naturalmente o crime.
“Menos um!” - repetem aliviados taxistas, frentistas, donas de casa, empresários, funcionários públicos, diante do cadáver. Não importa como o infrator foi morto, importa que ele era um bandido e que isso já basta para justificar a sua morte, não entendendo a sociedade que “bandido bom, não é bandido morto”, se a sociedade acreditar nisto será uma negação à Democracia e ao Estado de Direito que com tanta luta conseguimos.
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