quarta-feira, 1 de julho de 2009

O STJ e a repercussão da negativa de ilicitude no caso de exploração sexual de adolescentes.

Como sabido e amplamente divulgado, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que rejeitou acusação de exploração sexual de menores por entender que cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta não se enquadra no crime previsto no artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Tribunal de origem (TJMS) absolveu os réus do crime de exploração sexual de menores por considerar que as adolescentes já eram prostitutas reconhecidas, mas ressaltou que a responsabilidade penal dos apelantes seria grave caso fossem eles quem tivesse iniciado as atividades de prostituição das vítimas.
Tal decisão foi extremamente explorada por toda a mída, que sem nenhum critério jurídico, tratou do assunto, de forma equivoca, em busca do que realmente importa: a qualidade da informação? Não. O que importa é o IBOPE.
Voltando ao caso, resolvi ler a decisão. Ao fim, uma curiosidade surgiu: de onde tiraram a tese de que o STJ, a partir desta decisão, permitia o sexo pago com menores?
A decisão, em nenhum momento, diz isto. E mais, ela é clara, muito clara, que o cliente eventual não comete o crime tipificado no ECA. Não fala que ele não comete crime.
Vejamos a integra do acordão:
"Esta Corte tem entendimento no sentido de que o crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de exploração sexual nos termos da definição legal. Exige-se a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual, o que não ocorreu no presente feito.
Da análise dos autos, verifica-se que as adolescentes estavam em um ponto de ônibus, e após certificarem os réus que se tratavam de garotas de programa, as convidaram para ir até um motel, o que foi prontamente aceito. Houve o pagamento de R$ 80,00 para duas adolescentes e R$ 60,00 para uma outra.
Assim, não há falar em exploração sexual diante da ausência da figura do explorador, também conhecido como “cafetão”, bem como do conhecimento desse fato pelos ora recorridos. Não houve a configuração da prática do delito previsto no art. 244-A do ECA."

E não podia ser diferente. O art.244 do ECA criminaliza a conduta daquele que submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. A clareza é gritante. Neste tipo SÓ PODE SER ENQUADRADO O CAFETÃO, NUNCA O "USUÁRIO". Agora, uma coisa é dizer que o "usuário" dos serviços não se enquadra no tipo citado, outra coisa, completamente diferente, é dizer que aquele que paga por serviços sexuais de menores não comete crime. Comete sim e será enquadrado no art. 213 do CP (estupro). Caso seja menor de 14 anos, haverá a violência presumida, incindindo o art 224. Ou seja: manter relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos não é punível com o crime do art.244-a do ECA, mas com o art.213 c/c art.224 do Código Penal, tendo, inclusive, pena mínima mais grave.
Daí deriva uma pergunta: Porque o STJ não condenou os réus pelo crime do art.213 do CP? Esta parte processual não pode ser modificada pelo STJ, pois não compete a este Tribunal, em fase recursal, alterar a tipificação, sob pena de violação ao contraditório e a ampla defesa. Neste caso, a única opção que restava ao STJ era a absolvição dos réus. Aqui, a falha foi do MP e as críticas cairam, de novo, no colo do Judiciário.
Perante a quantidade de comentários, o STJ, no ultimo dia 30, publicou uma nota de esclarecimento sobre a citada a decisão, a saber:
"1. Ao decidir que o cliente ocasional de prostituta adolescente não viola o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o STJ, em momento algum, afirmou que pagar para manter relação sexual com menores de idade não é crime. Importante frisar que a proibição de tal conduta é prevista em dispositivos da legislação penal brasileira".
"2. Quem pratica relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos pode ser enquadrado no crime de estupro mediante a combinação de dois artigos do Código Penal e condenado à pena de reclusão de seis a dez anos. São eles o artigo 213, segundo o qual é crime “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”, e o 224, pelo qual se presume a violência se a vítima não é maior de 14 anos".
"3. No recurso interposto ao STJ, o MP sustentou que o fato de as vítimas menores de idade – 13, 15 e 17 anos – já serem corrompidas não exclui a ilicitude do crime de exploração previsto no artigo 244-A. Ou seja, o MP recorreu ao STJ única e exclusivamente contra a absolvição dos réus quanto ao crime previsto no artigo 244-A do ECA, o qual, como afirma parte da doutrina e precedente judicial, não é praticado pelo cliente eventual, mas sim pelo chamado “cafetão” que explora crianças e adolescentes".

Acredito que não reste mais dúvidas.
Aqui cabe mais uma ressalva: sempre que uma notícia requer conhecimentos jurídicos, o jornalismo brasileiro é extremamente deficitário. O que escrevem de besteira é uma grandeza. Este caso, prova que o diploma de jornalismo, nem de longe, garante a qualidade da notícia. Ou será que entre todos os profissionais que narraram os fatos, nenhum tinha diploma?

Um comentário:

Unknown disse...

A nota não esclarece e contradiz a própria decisão. Além disso:

1)Há diversas trechos “politicamente incorretos”, como na frase “o STJ mantém o entendimento, firmado em diversos precedentes e na doutrina especializada, de que é crime pagar por sexo com menores que se prostituem”. Menores não se prostituem (isso pressupõe consentimento), são explorados(as) sexualmente;

2) A tese de crime de estupro só seria pertinente (se fosse) em relação às vítimas menores de 14 anos. E quanto às maiores de 14, podem ser exploradas sexualmente pelos “clientes”?

3) Como é feita a prova de estupro de adolescente submetida a diversas relações sexuais seguidas, com “clientes” diferentes? Lembremos que estupro é conjunção carnal, um eufemismo para a introdução do pênis na vagina.

4) Existe jurisprudência condenando por estupro “cliente” que contratou serviços sexuais de adolescentes?

5) Já que o crime de estupro é de ação penal pública condicionada à representação dos pais e o de exploração sexual é de ação penal incondicionada, não haveria mais um obstáculo para a condenação, a favorecer o réu?

Infelizmente, nenhuma destas questões é respondida pela nota da assessoria de imprensa do STJ.

Mas, pelo menos a tentativa de explicações mostra que a revolta da sociedade repercutiu no Tribunal e, quem sabe, haverá maior sensibilidade na próxima vez que a matéria for julgada.


http://cogitamundo.wordpress.com/2009/07/01/analisando-a-nota-do-stj-sobre-exploracao-sexual-de-adolescentes/