domingo, 29 de março de 2009

Atrás das grades


SETORES da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário acomodam-se, perigosamente, a um método de atuação sensacionalista e truculento. Disseminam escutas e monitoramentos sem o devido controle, criam uma narrativa a partir de meras inferências e deslancham a "operação", uma rede de arrasto de prisões e apreensões do que estiver no caminho.
Investigados por meses sem o saber, detidos e seus advogados não têm acesso ao teor das acusações que embasaram a prisão.
Mas eis que, no dia do espalhafato policial, um senador, acusado de ter recebido R$ 300 mil irregularmente de uma construtora, exibe um recibo: teria sido oficial a doação. A PF não apresentou provas que confirmassem a suspeita lançada a público.
Na falta de apuração e controle competentes, vários policiais, procuradores e até juízes têm apostado na manipulação da opinião pública. Tomam um fato -a impunidade nas camadas mais altas da renda e do poder, motivo de justa indignação popular- como mote de uma cruzada para intimidar pessoas e empresas identificadas com tais "elites".
As prisões que decretam passam a impressão, equivocada, de que o investigado está sendo punido. Detenções provisórias e preventivas não têm nenhuma relação com sentença ou condenação. Num processo ou num inquérito ainda indefinidos, são mecanismos incidentais cujo uso vem sendo banalizado nas esferas inferiores do Judiciário.
A prisão, na fase intermediária do juízo, é reservada pela lei a pessoas que, mediante "prova da existência do crime e indício suficiente de autoria", ameacem a integridade física de outros, a "ordem econômica" e a coleta de provas ou demonstrem propensão à fuga. Fora desses casos excepcionais, a regra constitucional, reafirmada há pouco no Supremo Tribunal Federal, é que o réu responda em liberdade até serem esgotados os recursos.
À luz desse parâmetro -um patrimônio das democracias, que protege o indivíduo contra arbitrariedades de agentes públicos-, não se sustenta o festival de prisões usualmente deflagrado pela PF, com o aval de juízes. Na quarta-feira, até secretárias da construtora Camargo Corrêa foram presas. Se a polícia monitorou suspeitos por mais de um ano e fez as apreensões nos locais escolhidos, qual o sentido de manter funcionários detidos?
Nenhum, responderão as cortes superiores nesses casos, as quais frequentemente têm posto em liberdade pessoas cuja prisão preventiva fora decretada na primeira instância.
E o que dizer, por falar em primeira instância, da condenação a 94 anos de cadeia da empresária paulista Eliana Tranchesi, sob a acusação de práticas lesivas aos cofres públicos e formação de quadrilha? Um facínora que, no Brasil, tenha sequestrado e assassinado duas pessoas não receberá pena superior a 60 anos.
Quando se trata de crimes contra o erário cometidos por pessoas que não ameacem a integridade física de outros, o que importa é que o autor devolva em tempo hábil os valores subtraídos, acrescidos de multas pesadas. A reclusão, se necessária, deveria ser breve -ou substituída por prestação de serviços à comunidade.
Condenar estes réus a décadas num presídio -e, sem motivo plausível, mandar encarcerá-los antes que esteja encerrado todo o circuito processual- responde a uma concepção vingativa e primitiva de Justiça.

Comento: Concordo com o editorial acima transcrito, publicado hoje na Folha de São Paulo. A pitotecnia não pode ser maior que o Estado Democrático de Direito. Justificar a "impunibilidade" de ricos para efetuar prisões é tão arbitrário do que deixar os ricos merecedores de penas privaivas de liberdade em liberdade. Gostemos ou não, o nosso ordenamento jurídico é muito claro no sentido de especificar as possíveis formas de prisão antes do transito em julgado. Ocorre que vivemos um vazio estatal tão grande que quem condena as pessoas hoje são os meios da imprensa. Apresentadores de programas policiais usurpam  uma função típica do Estado e condenam pessoas sem ao menos terem acesso ao mínimo instrutório de um processo. Isto é um risco grave. Certa vez alguém me disse que estes "apresentadores" falam o que o povo quer ouvir. Discordo. Eles moldam o povo para ouvir o que eles tem a dizer. É muito diferente. 
A justiça é falha? É. A lei é falha? É. Porém são as que estão vigentes. Se quisermos mudar isto é necessário muito mais que simples conversas. É preciso mais que programas policias. É preciso mobilização. Consciência política, vontade concreta de mudar, mais mudar de verdade, não apenas para pregarmos que corretos e gritarmos aos quatro ventos que a justiça é falha, que todos são bandidos e quando sairmos desta conversa atravessemos sinais vermelhos, "compramos" guardas de trânsito, furamos fila......
É preciso reinventar o Brasil

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